A origem e a evolução da propriedade!

Texto escrito por Ana Carolina Tomicioli Cotrim,
Mestre em Direito Ambiental e Urbanístico.


Historicamente, a propriedade tem sua origem na Pré-história, mais precisamente no período Neolítico (anos de 10.000 a.C a 4.000 a.C.), no qual era utilizada como meio de manutenção da sobrevivência humana. Durante esse período, o homem sedentarizou-se, deixando de depender exclusivamente da caça e coleta de alimentos. Tal comportamento proporcionou a origem da propriedade individual. Entretanto, o registro da propriedade como instituto da sociedade só foi observado alguns milênios mais tarde, a partir do surgimento da escrita e da necessidade de estabelecer regras de convivência e obediência do povo.


                  As primeiras codificações ao qual a história da humanidade tem notícia são os Códigos de Hamurabi e de Manu. O Código de Hamurabi, elaborado pelo sexto rei do Império Babilônico, Khammu-rabi, no ano de 1780 a.C., é popularmente conhecido por apresentar uma estrutura de justiça baseada na autotutela. A Lei de talião, como era apelidado, priorizava as regras referentes à vida humana, trabalho, relações familiares e propriedade. Segundo essa codificação, o roubo da propriedade de um templo ou corte, condenava à morte o suposto usurpador, bem como aquele que recebesse para si o produto do roubo.


                 Já o Código de Manu, considerado por muitos como uma coletânea normativa que abrangia os costumes e preceitos da sociedade indiana dos anos 1300 a 800 a.C., trazia uma grande influência religiosa e política, sendo praticamente impossível dissociar o mundo jurídico da realidade social local. Havia proteção à propriedade, bem como uma distribuição desigual dos bens, uma vez que as castas dominantes detinham, legalmente, a maior quantidade deste.


                 Na Antiguidade Clássica, mais precisamente na Roma Antiga, o instituto da propriedade ganhou extrema importância. De início, assumia a condição de direito natural subjetivo, estando intimamente relacionada ao interesse da coletividade. Posteriormente, a propriedade assumiu característica de direito individual, uma vez que, as famílias mais antigas e poderosas da região, passaram a apropriar-se das terras públicas com maiores índices de fertilidade. Surgem então, os primeiros conflitos de interesses, sendo necessária a adoção de medidas disciplinadoras para o uso do instituto da propriedade.

                Anos mais tarde, durante a Idade Média, o pensamento sócio-político vigente promoveu a aproximação dos conceitos de propriedade e soberania, além de ocasionar a fragmentação dos poderes inerentes à propriedade (propriedade de direito e propriedade de fato). Enquanto a propriedade de direito concentrava-se na pessoa do senhor feudal, dono das terras e dos bens do feudo, a propriedade de fato pertencia aos servos e vassalos, responsáveis por cuidar dos bens e cultivar as terras em troca de proteção militar.

               Já na baixa Idade Média, séculos XVIII e XIX, em decorrência do declínio do sistema feudal de produção, houve o afloramento da atividade comercial e o consequente surgimento de uma nova classe social desqualificada de privilégios ou títulos nobliárquicos, determinada a modificar as estruturas econômicas, políticas e sociais. Tal movimento, conhecido com Iluminista – Jusnaturalista, consolidou a propriedade no campo do direito privado e despertou no homem a racionalidade o e desejo de liberdade.

               A Revolução Francesa de 1.789 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão podem ser consideradas como frutos prósperos do Iluminismo. Em tal Declaração, em que reflete-se os ideias de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, a propriedade é considerada como um direito inviolável e sagrado, o qual ninguém pode dele ser privado a não ser quando a necessidade pública, legalmente comprovada, o exigir e, desde que, haja justa e prévia indenização. Essa definição deriva do pensamento desenvolvido por Jean Bodin, Jonh Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau e retoma a conotação individualista de propriedade proveniente do direito romano.

               Com a codificação das normas no século XIX, a propriedade cercou-se de direitos e garantias que serviram como base para o posicionamento jurídico atual. O Código Civil Francês de 1804 definia direito de propriedade como sendo o direito de gozar e dispor das coisas de modo absoluto. Na visão do Código, a propriedade é o espaço de liberdade e privacidade da pessoa, sendo proibidas as intervenções do poder judiciário capazes de restringir as faculdades de fruição e disposição dos bens pelo proprietário. Nesse período, o Estado agia apenas como intervencionista mínimo controlando a disposição e o gozo equivocado dos bens por certos proprietários.

                Anos mais tarde, surgem duas correntes opostas: o liberalismo e o socialismo. No liberalismo a propriedade privada era vista como a razão de ser do indivíduo em sociedade, enquanto que, para o socialismo, o proprietário deveria converter sua propriedade em um fim social adequado.


                No ano de 1.916, o Brasil apresenta seu Código Civil como sendo um fruto tardio do Liberalismo econômico experimentado e codificado pelos francese em 1.804. Copia-se o conceito de propriedade, sendo essa compreendida como de caráter individualista, dotada de um intervencionismo Estatal mínimo e definida como sendo o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e reavê-los de quem quer que injustamente os possua.

                Ocorre, pois, que estudiosos das mais diversas nacionalidades passaram a colocar em xeque o caráter individualista e inviolável da propriedade. Começa-se a pensar na coletividade e nos atos que benefíciariam de forma mais abrangente a comunidade. Nasce, portanto, a idéia de “função social da propriedade”, sendo essa ideologia concretizada, expressamente, nas Constituições Mexicana, de 1.917, e Alemã, de 1.919. Em ambos os documentos, o conceito de propriedade estava condicionado ao cumprimento de uma função que beneficiasse não apenas o indivíduo, mas toda a coletividade.

              Seguidora das tendências mundias, a Constituição Federal de 1.934, promulgada no governo getulista, trouxe para a realidade nacional, ainda que tardiamente, a concepção de que a propriedade só existe mediante o cumprimento de sua função social, e, sendo essa descumprida pelo proprietário, o Estado pode intervir de maneira a preservar o bem estar da sociedade.


                Já no Estado Novo, a Constituição outorgada em 10 de novembro 1937, manteve os ideais socias, intervencionistas e liberais da Carta anterior, entretanto, tal documento seguia os moldes ditatorias facista e nazista europeus, e como bem leciona José Afonso da Silva, “muitos de seus dispositivos, permaneceram em letra morta”.

             Com o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e na tentativa de instaurar meios para concretizar uma redemocratização no país, promulgou, em 18 de setembro de 1946, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, a qual, em seu artigo 147, primeira parte, retomava as característica socias da propriedade trazida pela Constituição de 1934.


            Em 1.964 é criado o Estauto da Terra, sendo que os documentos constitucionais a ele contemporâneos, Constituições de 1.967 e 1.969, ainda que outorgados, mantinham a garantia do direito ao patrimônio, declarando de forma explícita a função social como princípio regulador da ordem econômica nacional.


            Findo o período ditatorial e após grandes manifestações populares, instaura-se no contexto nacional uma Constiuição avançada e moderna, dotada de importantes inovações. No que tange a propriedade, essa foi eregida à condição de garantia funtamental e individual do cidadão, sendo um dos valores constitucionais protegidos pelo artigo 5º e bipartida em urbana e rural ou agrária, na qual, ambas, tiveram seu uso condicionado ao atendimento de sua função social.

            Por se tratar de uma legislação avançada, o Código Civil vigente apresentou profundo desacordo com sistemática social e intervencionista defendida pela “Constituição Cidadã”. Assim sendo, no ano de 2.002, entra em vigor um novo Código Civil, no qual, o direito de propriedade tem como condicionantes as finalidades sociais e a preservação ambiental. Caso tais condicionantes não sejam atendidas justifica-se a intervenção Estatal a fim de que a propriedade se adeque às necessidades da coletividade.

** Trecho extraído do artigo: FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE E SUA APLICABILIDADE NA MANUTENÇÃO E RECUPERAÇÃO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, de
Ana Carolina Tomicioli Cotrim

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